segunda-feira, 9 de abril de 2012

A prova por amostragem - por Fredie Didier

Editorial 137
A prova por amostragem é aquela por meio da qual se prova uma universalidade de eventos a partir da prova de parte deles. Isso porque, como consta no Manual for Complex Litigation, uma publicação oficial do Poder Judiciário norte-americano, métodos estatísticos podem normalmente estimar, com determinado nível de segurança, as características da “população” ou “universo” de eventos, transações, atitudes ou opiniões, por meio da observação das características em um segmento pequeno ou simples da população (Manual for Complex Litigation, Fourth, § 11.493, p. 102 (Disponível em https://public.resource.org/scribd/8763868.pdf, consultado em 04.03.2012, 08h). Ela pode ser considerada uma variante da prova estatística.
A prova por amostragem pressupõe a existência de um conjunto de eventos/fatos que possam ser agrupados, porque semelhantes, de forma que a prova de parte deles possa conduzir o magistrado ao juízo acerca da existência de todos eles. A prova de parte do conjunto de fatos conduz à conclusão da existência acerca de todos os fatos que compõem esse mesmo conjunto.
A prova por amostragem relaciona-se com a prova indiciária.
Na prova indiciária, o indício não é o fato probando principal – embora se tenha de prova o indício, o objeto principal da prova é o fato que o indício aponta; o fato ao qual se liga o indício. O indício é o fato conhecido que, por via de raciocínio, sugere a existência/inexistência do fato probando principal. Entre o indício e o fato probando principal há uma relação lógica de causalidade, que autoriza a atividade do juiz (presunção judicial) de concluir existente o fato probando principal. Na prova indiciária, há uma relação lógica entre o fato conhecido (indício) e o fato que se quer provar. Essa relação permite que se faça um silogismo, conforme visto.
Na prova por amostragem, os fatos provados são também fatos probandos – servem como indícios –, mas, por meio da sua prova, pretende seja realizado juízo acerca da existência de todos os fatos pertencentes ao conjunto. A prova dos fatos da “amostragem” autoriza a presunção acerca dos fatos que não compõem a “amostragem”. Nesse sentido, caso se realize a atividade da presunção, nenhum dos fatos que compõem o conjunto pode ser considerado não provado, pois seria ilógico. Todos os fatos pertencem ao conjunto justamente porque existe relação de forma constante ou ordinária entre eles. Por meio da prova de determinados elementos, surge a presunção acerca de todos eles, considerados em sua universalidade.
A relação de conteúdo/continência também permite que se faça um silogismo, no qual também ganham relevância as máximas de experiência, para que se constate a existência da relação entre os fatos componentes do conjunto.
Premissa maior: máxima da experiência, noção que reflete o reiterado perpassar de uma série de acontecimentos semelhantes, autorizando, mediante raciocínio indutivo, a convicção de que, se assim costumam apresentar-se as coisas, também assim devem elas, em igualdade de circunstâncias, apresentar-se outras – possuem as características da generalidade e abstração.
Premissa menor: a relação entre fatos para que sejam tidos como componentes de um conjunto. A relação entre eles será também de constância ou ordinariedade, justificando a formação, na lógica do pensamento, do conjunto. Com o auxílio da experiência, pode-se concluir que todos aqueles fatos são componentes do conjunto. Após esta conclusão, dado que uma série de fatos do conjunto exista – e aqui a experiência atua mais uma vez –, conclui-se que todos eles existem. É a presunção.
O raciocínio só será legítimo se os métodos de amostragem forem utilizados de acordo com os padrões gerais de estatística, como se depreende do Manual for Complex Litigation. São fatores relevantes que devem ser levados em consideração: (i) se a ”população” foi propriamente escolhida e definida; (ii) se a amostragem escolhida foi representativa da população; (iii) se os dados reunidos foram cautelosamente relatados; e (iv) se os dados foram analisados de acordo com as os princípios de estatística aceitáveis (Manual for Complex Litigation, Fourth, § 11.493, p. 102/103).
As normas da estatística são, aqui, meios ao alcance da “confiabilidade” da conclusão da atividade da presunção. Michelle Taruffo trata das funções dos “conhecimentos científicos” quando se refere ao juízo prognóstico de fatos futuros. Suas lições aplicam-se, mutadis mutandis, ao que ora se chama de “prova por amostragem”, para considerar que os esquemas “probabilísticos” são adaptados para munir o juiz de estruturas lógicas validamente utilizáveis, atribuindo um grau considerável de confiabilidade e probabilidade de suas previsões (TARUFFO, Michele. Sobre as fronteras. Escritos sobre la justicia civil. Bogotá: Editorial Themis, 2006, p. 314-315), aqui com relação aos fatos não diretamente provados.
Na prova por amostragem, exige-se, pois, que o conjunto seja definido para que os seus elementos guardem relação de constância ou ordinariedade. Demais disso, os fatos constantes da amostragem devem ser significativos para que, no segundo momento de atuação da experiência, se possa realizar a presunção com relação ao todo.
A prova por amostragem/estatística pode ser muito útil no processo. Técnicas aceitáveis de amostragem podem economizar tempo e reduzir custos e, em alguns casos, promover a única forma viável de coletar e apresentar um dado relevante – diminui-se o objeto da prova: em vez da apresentação de volumosos dados de toda população, apresentam-se dados de apenas parte desta população. A prova por amostragem atende, pois, ao princípio da economia processual e, em alguns casos, é uma saída para que se evite a existência de prova diabólica.
A ausência de previsão expressa em nosso direito processual não significa que não se admita a prova por amostragem no processo. Os fatos podem ser evidenciados por qualquer meio de prova, ainda que não previsto na lei, desde que se trate de um meio lícito e moralmente legítimo (art. 332, CPC). Assim, ao lado dos meios de prova típicos, que contam com expressa previsão em lei, admitem-se os meios de prova atípicos, que não encontram sede legal.
A prova por amostragem é outro exemplo de prova atípica. A ausência de disciplina legislativa exige que o juiz atente, no momento da sua produção, para os princípios que norteiam a teoria geral da prova, sobretudo os princípios do contraditório e da ampla defesa.



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